DIREITOS HUMANOS PARA AS PESSOAS DE BEM, CADEIA PARA OS BANDIDOS

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segunda-feira, 19 de setembro de 2016

DROGAS Crime gera violência e mortes

Em Minas Gerais, 60% dos homicídios estariam ligados ao tráfico, segundo estimativa da polícia


Violência. Tráfico de drogas motivou 204 assassinatos
em BH nos primeiros sete meses deste ano
O combate às drogas no Brasil, feito em cumprimento à Lei 11.343/2006, produz um cenário de guerra. Milhares de jovens morrem todos os anos, mas não por overdose, e sim assassinados – a maioria em crimes ligados direta ou indiretamente ao tráfico. O número de óbitos por uso abusivo de substâncias entorpecentes foi de 33 em Belo Horizonte de janeiro deste ano até agora, enquanto o de homicídios chegou a 341 nos primeiros sete meses de 2016 – sendo que 60% (204) teriam relação com o tráfico de drogas, se considerarmos uma estimativa feita pela Polícia Civil no ano passado para as mortes em todo o Estado.

No Brasil, segundo o último balanço divulgado pelo Ministério da Justiça, foram 46.881 homicídios em 2014, média de 128 por dia. Jovens e negros são as principais vítimas. Para reverter esse quadro, seriam necessárias mudanças na chamada Lei de Drogas e outras fora dela. A reportagem ouviu opiniões diversas de estudiosos da legislação.
Para o coordenador do programa de Justiça da ONG internacional Conectas Direitos Humanos, Rafael Custódio, o que está se fazendo hoje no Brasil não é combater o tráfico, mas sim “enxugar gelo”. Mesmo com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2012, que autoriza uma pena alternativa à prisão para o que a lei chama de tráfico privilegiado – réus primários que não tenham ligação com organizações criminosas –, muitos juízes ainda são resistentes e mandam para a cadeia, principalmente, segundo ele, o jovem negro e pobre.
“Prendemos a pessoa da ponta, flagrada na imensa maioria das vezes sem arma, sozinha e com pequena quantidade de drogas. Não estamos desarticulando a rede do tráfico”, disse. De acordo com ele, a lei é muito subjetiva ao distinguir o usuário do traficante e abre brecha para interpretações e preconceitos: “Alguns países definem a quantidade de droga. Em outros, o Estado tem que provar que a pessoa tinha lucro financeiro com aquilo. Aqui é o réu que precisa provar que não é traficante”.
Saídas. A mudança, entretanto, vai além de alterações na lei. Para Custódio, um primeiro passo seria descriminalizar o uso da droga, o que deve entrar na pauta do STF ainda este ano. “O usuário deixaria de ser estigmatizado, deixaria de ser criminoso”, ressaltou.
Em corrente ideológica oposta, o promotor Marcelo Mattar, coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Criminais do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), acredita que o usuário não só deve continuar sendo criminalizado como também precisa ser preso. “Nunca concordei em tratar o usuário como vítima, como coitadinho. Acho que estão passando a mão na cabeça do real causador da violência”, argumentou Mattar. Para ele, só tem oferta porque há a procura pela droga.
Mattar diz que muitos traficantes têm redução de pena porque a Justiça não obtém provas suficientes. “É fácil ter privilégio. Provar que ele faz parte do crime organizado é muito mais difícil”, completou. Ele contesta ainda a decisão do STF que permite a pena alternativa para traficante. “Vender cocaína pode ter pena menor que vender CD pirata. Isso quebra a lógica do direito penal, que é a proporcionalidade, e contribui para a sensação de impunidade”, argumentou.
Já o doutor em criminologia Adilson Rocha defende que o problema não é a lei e que o número de presos aumentou porque o crime, de uma maneira geral, cresceu no Brasil. “O problema é de saúde pública. Vejo até como uma saída legalizar a venda para que o Estado seja concorrente do tráfico”, concluiu.
Silêncio
Autoridades. O Ministério da Justiça e a Secretaria de Estado de Defesa Social não comentaram os dez anos da Lei de Drogas. Um estudo sobre sistema prisional e drogas está sendo feito pela União.

Delegado diz que acabar com o tráfico é utopia

Estrutura. A Polícia Civil tem o Departamento Estadual de Combate ao Narcotráfico (Denarc), na capital, que investiga os chefes do tráfico em Minas. Delegacias de área e do interior recebem casos.

Prisões. A Denarc fez, neste ano, 102 prisões em flagrante, contra 73 em 2015. Outras 250 pessoas foram indiciadas (sem flagrante).

Utopia. Segundo o chefe do Denarc, Kleyverson Rezende, o tráfico está em todo o Estado e é comando por organizações criminosas. Ele acredita que acabar com o crime é utopia, mas que
a polícia faz seu papel.

Uruguai. Seis meses depois de regulamentar o cultivo e a venda da maconha, no início de 2014, o país declarou que reduziu a zero as mortes ligadas ao tráfico.

EFEITO

Após a lei, número de mulheres presas cresceu 161% no país

A Lei 11.343, chamada Lei de Drogas, entrou em vigor em agosto de 2006. Três meses depois, Dalila Clemente, na época com 22 anos, foi presa por suspeita de envolvimento com o tráfico. Dez anos após a criação da legislação, Dalila completa dez anos de cumprimento de pena.
Desde que a Lei de Drogas entrou em vigor, o número de mulheres presas no Brasil cresceu 161,6% – de 12.925 em 2005 para 33.793 em 2014 (último dado disponível). Mais da metade delas cumpre pena por tráfico de drogas. De acordo com o Ministério da Justiça, trata-se de um fenômeno recente que está em análise.
“Muitas mulheres são aliciadas por traficantes para entrar com droga no Brasil ou nos presídios. Ingerem grandes quantidades e pegam penas altas. A maioria delas são mães, que deixam os filhos sozinhos”, comentou Rafael Custódio, da ONG Conectas Direitos Humanos.
Com Dalila foi assim. Ela contou que foi presa enquanto dormia e que guardava dinheiro em casa para um traficante. Na época seu filho mais novo tinha 1 ano e 8 meses e ainda mamava no peito. Condenada a 11 anos, ela ficou dois anos no regime fechado e dois no semiaberto, e hoje está no aberto. “Eles disseram que eu era gerente do tráfico, mas não era tudo isso não. Fui condenada por ser negra, moradora de periferia e ter baixa escolaridade”, disse.
Na prisão, ela encontrou apoio de advogados e do movimento Brigada Populares e fez faculdade de enfermagem. No entanto, não pode trabalhar porque ainda não fez a prova obrigatória do conselho de classe. (LC)

O Tempo


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