DIREITOS HUMANOS PARA AS PESSOAS DE BEM, CADEIA PARA OS BANDIDOS

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sábado, 4 de junho de 2016

NTREVISTA ‘Prefeitos fogem do tema de segurança como o diabo da cruz’

Especialista em políticas de combate à violência urbana defende atuação mais direta dos municípios

PUBLICADO EM 04/06/16 - 03h00
A fórmula parece simples: “o melhor para os mais pobres”. Foi com esse lema que as cidades colombianas Bogotá e Medellín, centros urbanos degradados pela violência até as décadas de 80 e 90, tornaram-se, pelas mãos das prefeituras, exemplos mundiais na área da segurança pública.
Após 11 anos de estudos e 22 viagens à Colômbia, o especialista em políticas de combate à violência urbana e hoje secretário de Segurança de Recife, Murilo Cavalcanti, conta que a principal medida adotada, após decisão política de enfrentamento ao crime, foi a inversão das prioridades nos investimentos públicos. “Os prefeitos não fizeram plano de segurança, mas quebraram com a lógica perversa de fazer coisa pobre para quem é pobre. As melhores obras, escolas, bibliotecas, hospitais e meios de transporte estão nas áreas mais pobres, mais vulneráveis”, explica Cavalcanti.

Em 2002, Medellín registrava uma taxa anual de 381 homicídios a cada 100 mil habitantes. Três anos depois, o número foi registrado drasticamente para 33,2 por 100 mil, abaixo da média colombiana.
Já Bogotá convivia, há 20 anos, com uma média de 80 homicídios por 100 mil habitantes, tendo o tráfico de drogas como protagonista. Hoje, a taxa é de 16 homicídios para cada 100 mil habitantes.
Em Belo Horizonte para o lançamento do livro “As lições de Bogotá & Medellín – do Caos à Referência Mundial”, Cavalcanti defende uma atuação mais direta das prefeituras. “Os prefeitos fogem desse tema como o diabo foge da cruz. Eles não querem ter responsabilidade sob o tema e têm que ter, porque só a polícia não resolve. Sem integração de todas as áreas, estaremos enxugando gelo”, afirma.
O especialista esteve na capital a convite do presidente municipal do PR, Marcelo Álvaro Antônio, pré-candidato à prefeitura. “Prefeitos querem falar de tudo, menos de segurança, empurrando-a para o Estado. Temos de inverter essa lógica e trazer a responsabilidade para a gestão municipal”, defendeu o pré-candidato à PBH.

Quais as principais ações que tornaram a Colômbia uma referência em segurança?

Eu acho que uma das coisas mais importantes foi uma boa safra de gestores públicos municipais, de prefeitos, tanto em Bogotá quanto em Medellín. Não sei se tiveram sorte ou se o povo, cansado de tanta violência, de tanta desagregação social, elegeu sucessivamente bons gestores públicos que mudaram completamente o destino dessas duas cidades colombianas. Eu diria que elas saíram, literalmente, do inferno. Passaram a ser referência internacional de políticas públicas não somente no campo da segurança do cidadão, mas de mobilidade, de urbanização social, de educação, de bibliotecas-parque, de envolvimento de pequenos negócios. Então, são referências que chamam a atenção do mundo inteiro.

Quando a Colômbia iniciou esse processo?

No começo dos anos 90, com a eleição do filósofo e matemático Antanas Mockus a prefeito de Bogotá. Depois dele veio Enrique Peñalosa, que fez o TransMilênio, transporte BRT, um dos melhores do mundo. Em Medellín foi mais recente, há 12 anos. O prefeito, que acabou o mandato agora (Aníbal Gaviria), foi o gestor que consolidou essa mudança radical na cidade, que foi no anos 80 ao começo da década de 90 a mais violenta do mundo.

Que medidas foram tomadas para essa transformação em tão pouco tempo?

A primeira delas é o zelo com a coisa pública, “não rouba e não deixa roubar”. Também o compromisso com o planejamento urbano de curto, médio e longo prazos, de priorizar o lema “o melhor para os mais pobres”. As melhores obras estão nas áreas mais pobres, mais vulneráveis da cidade. As melhores escolas, bibliotecas, os melhores hospitais, os melhores meios de transporte estão nas áreas mais necessitadas da cidade. Isso mudou a lógica perversa da cidade porque, o que acontece aqui no Brasil é que temos as cidades partidas: de um lado a classe média e alta que têm acesso à educação, à saúde ao sistema de transporte individual, que é o carro. E do outro lado, uma população penalizada, que tem o transporte público de péssima qualidade, os piores meios de educação. Então, você só faz perpetuar a pobreza, a desigualdade, a violência, e eles tiveram uma expertise muito grande nisso, de quebrar com essa lógica perversa de fazer coisa pobre para quem é pobre. E eles foram muito felizes nisso porque não fizeram plano de segurança, por exemplo. Eles fizeram algo muito mais profundo, que foi o resgate de uma cidade mais democrática, de uma cidade humana, diversificada, garantindo os direitos das pessoas.

No Brasil, quem cuida da segurança são os Estados. O município deveria cuidar mais dessa área?

Eu não diria que a prefeitura deveria cuidar da segurança pública. Talvez, seja um conceito até mais amplo: a prefeitura cuidar da segurança do seu cidadão. Quando você fala isso, está extrapolando o conceito de que a questão da segurança pública é somente a polícia. É muito mais amplo do que isso. Na hora em que você, por exemplo, num bairro aqui de Belo Horizonte, coloca uma iluminação de LED nas áreas mais degradas, você está mandando um recado de que aquela população está sendo ouvida e está sendo respeitada. Na hora em que você coloca um BRT para atender a periferia, onde o cidadão está lá no BRT sabendo que vai gastar, no máximo, uma hora da sua residência até seu trabalho, com um transporte de massa, mas com dignidade, você está dando cidadania para esse trabalhador. Na hora que você ver o filho de um pobre estudar na escola pública melhor do que a escola privada do rico, você está dando dignidade a esse jovem da periferia. Então, foi isso o que eles fizeram e, dentro desse conceito, há um conceito de fortalecimento da cidadania para reduzir a violência no espaço urbano. Agora, isso não quer dizer que você vai desprezar a força policial, de maneira nenhuma. A polícia que respeita o direito do cidadão, a polícia que é respeitada. Na Colômbia, eles colocaram 13 mil policiais para fora da corporação porque eram corruptos, eram brutos, não respeitavam o direito do cidadão.

Minas adotou, a partir de 2007, alguns projetos de segurança inspirados na Colômbia, como Fica Vivo, Polícia e Juventude. No entanto, os índices de criminalidade continuam altos.

Muitos acabaram e isso mostra outra característica do sucesso colombiano: não há descontinuidade das políticas públicas. Aqui no Brasil, isso vai muito mal. Fora isso, o Brasil vive uma epidemia de violência, não somente aqui em Belo Horizonte, mas nos grandes centros urbanos, como Fortaleza, Maceió, Rio de Janeiro. Só este ano, mataram 32 policiais no Rio de Janeiro. A gente está vivendo um estado de guerra civil não declarada. Eu acho que precisava, e isso ocorreu na Colômbia também, uma coordenação geral do governo central. É preciso isso para estabelecer políticas que tenham participação do governo federal, dos Estados e das prefeituras. Sem isso, é impossível se estabelecer uma política de segurança.

O poder municipal se exime da responsabilidade da segurança?

Sim, os prefeitos fogem desse tema como o diabo foge da cruz. Eles não querem ter responsabilidade sobre isso e têm que ter porque a polícia só, não resolve.

Sobre a importância do debate no âmbito da cidade.

Esse é o caminho, não só para Belo Horizonte, mas para Recife, São Paulo, Rio de Janeiro. A política de UPPs vem fracassando no Rio porque não houve essa mão social, só teve polícia e isso não se sustenta, especialmente essa polícia de repressão. Também é importante o trabalho coordenado, sendo que todas as secretarias devem estar envolvidas nisso, como Saúde, Educação, Desenvolvimento Social, Planejamento Urbano. (AD)

Redação: Jornal o Tempo

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